quinta-feira, dezembro 09, 2010

Ainda era cedo, my dear

Fiquei tentando lembrar o som da voz dele. Como era mesmo a sua voz? Como era mesmo que ele falava? Nove anos depois, não consegui. Talvez eu nunca vá saber. Quando a gente se conheceu, eu tinha 14 anos, ele 11, o Luiz 10 e o Adan 9. Eram todos menores do que eu.

Depois disso, falamos pouco pela internet. Tudo que eu sabia fiquei sabendo pelas fotos do Orkut. Não se referia ao nosso pai como tal. Tinha raiva e esse geralmente era nosso assunto. Qualquer hora do dia ou da noite que eu entrasse no MSN ele estava lá, mas eu nem prestava muita atenção em suas mensagens.

Estava na farmácia na hora que meu pai ligou. Sexta à tarde. Ele nunca liga, mas não pensei que pudesse ser notícia ruim.

- O Yuri, seu irmão, lembra dele? Ele morreu. Acham que foi suicídio.

Não reagi instantaneamente. Desliguei o telefone e alguns segundos depois comecei e chorar, sem nem saber direito por quê. A balconista me deu água. Liguei pra minha mãe. Ela não falou nada. Voltei a chorar. Paguei os remédios e saí correndo dali, em direção ao banheiro. Depois disso, chorar foi só o que eu soube fazer, pelo resto do dia.

Ele tinha 20 anos. Foi encontrando dentro de um carro. O atestado de óbito diz que morreu por inalação de gás carbônico. Deixou uma carta que até hoje ninguém leu, a não ser a polícia.

À noite liguei pro meu pai, perguntei quando seria o enterro e disse que queria ir. Ele estava nos Estados Unidos. Era caro e burocrático trazer o corpo. Mudou para lá com a mãe e o Luiz há cinco anos. Luiz e a mãe voltaram, ele ficou com o irmão mais velho, que não era meu irmão.

O corpo só chegou depois de 20 dias. Ontem. Saí de Brasília às 5h com meu pai e a Kélvia, outra meia irmã, irmã de mãe da Karla, da Karolina e da Kenia. Chegamos em Caldas Novas às 10h, direto para o velório. Ele e meu pai nunca se deram bem. Ultimamente nem se falavam. Mas pouco antes de fazer o que fez, tentou de várias maneiras falar com ele.

Luiz ficou o tempo todo comigo e com a Kélvia. Tudo que a gente queria era saber o porquê. Disseram que era inteligente e palhaço. Tinha um blog de poesias em inglês.Mesmo morto, dava para ver que era um menino lindo. Tinha um nariz perfeito, as sobrancelhas bem feitas. Era maior que o meu pai. Kelvia nunca chegou a conhecê-lo. A primeira vez que viu seu rosto foi dentro do caixão.

Depois do enterro, fomos à soverteria, enquanto meu pai autenticava a cópia da certidão de óbito. Sentada ali, com a Kélvia e o Luiz, eu entendi como é ter um irmão. Foi assim, de repente. Descobri que eu me enganei a vida inteira. Ao contrário do que eu pensava, eu me importava e muito com meus irmãos. Eles me fazem falta.

Nos últimos 20 dias tudo que fiz foi tentar entender porque eu sofria tanto pela morte de alguém que eu não conheci direito. Pensei na minha família torta, nos 10 filhos que me pai distribuiu pelo país, entre 5 mães. Pensei no que o Yuri pensava de mim. Da última vez que nos falamos, eu nem dei bola para ele. Foi em março. Agora eu nunca vou saber como era sua voz.

....

Minha mãe se mostra indiferente. Meus amigos acham minha reação exagerada – se nunca nem falei do Yuri para eles. A verdade é que nem eu entendo. E acho que ainda vou demorar para entender. O que fica na minha cabeça não é só a morte, a escolha, o ato. É minha família. É como venho lidando com tudo isso até hoje.

Tive dó do meu pai, tive pena do Luiz, mas choro pelo que eu mesma sinto. Me sinto pequena, impotente. Sinto que tudo de que eu reclamo é muito pequeno. Sinto que preciso contar pra todas as pessoas o quanto eu gosto delas. Sinto que eu não queria ter descoberto assim o quanto eu queria ele de volta. A vontade que me dá é proibir toda pessoa que eu gosto de morrer, por qualquer motivo que seja. Quando meu avô morreu, não fiquei assim. Mas o Yuri tinha 20 anos e fez uma escolha.

Mais cedo, quando o avião começou a decolar, eu comecei a chorar. O cara do meu lado me olhou. Falei para ele que não era medo do avião. Eu estava voltando do enterro do meu irmão, que havia se suicidado aos 20 anos (como é difícil dizer isso sem encher os olhos de lágrimas). Mostrei para ele o santinho: “olha como ele era lindo”.

Ontem foi o dia mais triste e mais especial da minha vida, porque ontem eu descobri que sou irmã. Foi do jeito mais difícil. Mas agora eu sei. E, mais do que um abraço, eu queria poder ouvir a voz dele.


Fique em paz, meu irmão.

terça-feira, outubro 20, 2009

Unexplainable

Para muita gente poderia ser só uma foto. Só mais uma foto. Só uma foto especial. Para mim é algo que se verte em lágrimas. A foto que esperei a vida inteira para tirar: finalmente na minha mesinha. Entre o mini cactus e a garrafinha com uma mensagem dentro. Poderia ter um enquadramento melhor, uns sorrisos mais espontâneos. Pouco importa, está ali. E não me canso de olhar. Me sinto novamente com oito anos de idade, voltando do shopping com um par de patins, depois do almoço na churrascaria e do melhor sorvete de morango do mundo.
...
Foi simplesmente perfeito. Eu com medo de entrar no auditório antes da minha mãe chegar, descendo a escada olhando para todos os lados e sem ver ninguém. E no fim do corredor, um som, um gesto que nem entendi direito me fizeram olhar para trás. Era ele! Eu mal podia acreditar. Até coloquei a mão na boca com a surpresa. Depois fiquei olhando lá de cima. E no fim de tudo, naquele mar de gente, um abraço fez seis anos parecerem um feriado...

domingo, fevereiro 08, 2009

domingo, janeiro 11, 2009

Prognóstico

A paciente Fernanda Cristo e Santos apresenta sinais de psico independência multi-focal desorientada afetivo retrógrado oscilante. Alterna períodos de timidez, verborragia e humor tal qual cor do cabelo e comprimento da franja. Demonstra episódios criativos intensos, manifestos em apresentações teatrais com traços surreais e abstratos, escrevendo textos hilário-irônico-depressivos ou cantando alguma música trash semi-afinada no volume 10, interpostos por períodos de inércia autista e revolta com a humanidade. Apresenta grande desorientação espacial e pessoal com fortes tendências a andar na contra-mão. Gosta de cachorro e tem alergia. Gosta de dormir e tem insônia. Gosta de companhia, mas cansa. Gosta de música que ninguém mais gosta. Queixa-se de saudades inexplicáveis, medos inconsistentes, timidez incoerente e incompreensão relativa. Relata possessões espirituais maléficas após algumas doses de vodka. Não come feijão e separa todo e qualquer elemento verde da comida. Vira levemente o pescoço para o lado direito enquanto fala, pigarreando, geralmente sem saber o que fazer com as mãos. Tem dias que se acha verde. Noutros, lilás. Por fim se convence que ser simplesmente morena, mulher, brasileira, filha única com oito meio-irmãos e jornalista já pode ser bastante complexo.

por Tatiana Monteiro

sexta-feira, janeiro 02, 2009

Deixa pra lá...


Ano novo: a mesma velha história. Velhos pequenos problemas. Cabeça doendo, coração batendo por bater. Cada vez menos vontade – de qualquer coisa – e já até ouviu dizer que isso era bom. Cada pensamento uma dor, cada gesto um excesso, cada palavra desnecessária. A mesma velha ladainha. Pra que repetir?

Desculpa! Eis o que sempre é preciso dizer. Mas não muda nada, não faz esquecer. Promessas (quem quer ouvir?). Nunca são compridas, melhor nem falar. Inveja de um caracol. Desejo de se esconder, se encolher, ser esquecido. Existência supérflua. Foi sempre assim. Pra que repetir?